Já tinha deixado este texto no Facebook do Fado Positivo (onde costumo colocar textos exteriores que não passam aqui pelo blog), mas vale a pena repeti-lo aqui. É um texto de Henrique Raposo no Expresso que não podia reflectir melhor a ideia deste blog!
Destaco duas frases:
"O português deve ser o único ser à face da terra que fica incomodado quando ouve coisas positivas sobre o seu próprio país."
"os factos positivos sobre Portugal são incómodos para os portugueses, logo, são desprezados."
O espírito queirosiano ficou irritado com o anúncio da Coca-Cola, que tem o descaramento de dizer coisas positivas sobre Portugal, que tem a lata de dizer que Portugal não é o Burundi . Não por acaso, nos últimos dias, muitos amigos e amigas deixaram cair a indignação queirosiana a respeito da coisa: "como se atrevem a dizer bem desta choldra?" (eu prefiro as variações com palavrões). Ora, esta característica portuguesa interessa-me muitíssimo . O português deve ser o único ser à face da terra que fica incomodado quando ouve coisas positivas sobre o seu próprio país. Este anúncio só poderia causar incómodo em Portugal. Se a Coca-Cola tivesse feito um anúncio a gozar e a desprezar Portugal, ui, ui, teria o apoio dos portugueses que, agora, estão irritadinhos com a perspectiva meio otimista.
Mas, afinal, qual é a mensagem do maldito anúncio? É uma mensagem simples e correcta: apesar da década perdida, Portugal ainda tem o copo meio cheio. Para compreender isto, basta olhar, com humildade, para as vidas dos nossos pais e avós. Em 1950, o português tinha um rendimento per capita de 40% da média da Europa rica; no ano 2000, o nosso rendimento já estava nos 70%. Em 1993, a inflação ainda era de 9%. E eu poderia ficar aqui o resto do dia a apresentar factos (repito: factos) que provam um facto (repito: facto): Portugal foi um dos países que mais cresceu, que mais evoluiu nas últimas gerações. Mas, como é óbvio, o espírito queirosiano já está a abanar a cabeça, já está a dizer "mas este tipo está para aqui com lições de história para quê?". Pois muito bem. Falemos então de factos do presente, falemos de factos retirados dos jornais deste fim-de semana. A tecnológica portuguesa Biodroid produziu um jogo de computador que é um sucesso mundial (Expresso economia). A tecnológica portuguesa Roff abriu filial em Casablanca e já tem escritórios em cidades menores como Paris ou Estocolmo (Sol). A Microprocessador, empresa xpto de Matosinhos que faz a gestão electrónica das auto-estradas, exporta tecnologia para 10 países (i). A Amorim comprou uma empresa na Argentina, no sentido de reforçar a sua posição num dos países-chave do chamado novo mundo vinícola (Sol). Na coluna de João Paulo Martins (Única/Expresso), descobrimos que um restaurante canadiano vende, por dia, 400 garrafas de vinho português. A Adira, maior fabricante lusa de máquinas-ferramenta, exporta que se farta (Expresso economia), e - atenção - a Adira é um dos bons exemplos do sector metalúrgico, cujas exportações subiram 20% em 2011 (Sol). A GL, cadeia alimentar portuguesa, começou a exportar hambúrgueres para Angola, e as marcas desta empresa já exportam para Espanha, Holanda, Suécia, Polónia, Inglaterra e Noruega e - um pormenor - produzem para o Starbucks e Ikea (Sol). Um grupo de hotelaria espanhol abriu um novo hotel no Porto, que resulta da requalificação de 5 edifícios da Ribeira (Jornal de Notícias).
Como dizia há pouco, estes factos foram encontrados em apenas 4 jornais de sexta e sábado. Todos os dias aparecem factos desta natureza. Mas, lá está, não existe uma narrativa mediática e cultural que permita o encaixe desta luminosidade tuga . E, assim, tudo acaba num cenário um pouco cómico: os factos positivos sobre Portugal são incómodos para os portugueses, logo, são desprezados. É como se não existissem. Calma, calma. Não estou a dizer que Portugal é a Suécia mediterrânica. Tenham calma. Estou apenas a dizer que Portugal, apesar de tudo, não é o Burundi . Entre o optimismo desmiolado e o pessimismo apocalíptico, há um espaço para pensar Portugal.
Como blogger não poderia ter ficado mais contente com o resultado eleitoral de ontem. Vou poder finalmente escrever os posts que me apetecer sem temer que se imagine segundas intenções naquilo que faço.
Desde há três anos e meio, primeiro quando ajudei a criar o A Pente-Fino e depois com o Fado Positivo, que houve dezenas de comentários pela blogoesfera, twitters e até na rádio, onde se duvidava da minha idoneidade. Fui acusado de estar ao serviço do governo, de usar nomes falsos*, etc. Cheguei a autocensurar-me (e a autocensura é a pior de todas censuras) várias vezes, para que os meus textos não fossem vistos como certas pessoas os queriam ver, mas como eles realmente são: objectivos.
A este gente tacanha, ridícula e pequena dedico a continuação deste blogue.
Estranho país onde quem destaca factos positivos é desprezado, e quem apresenta notícias negativas e falsas é tido como imparcial.
*Cheguei a convidar um jornalista, que fez tal acusação, a um encontro ao vivo, para que ele pudesse ver o meu Bilhete de Identidade. Nunca respondeu.
Há uma semana, uma notícia aparecia em vários sítios: Portugueses gastam menos neste Natal. E não era uma reduçãozita qualquer, a redução era de 22,7% face a 2009! Os títulos escondiam que não estava em causa uma previsão de algum instituto, mas um inquérito aos consumidores.
Como sempre, as respostas que os portugueses dão nestes inquéritos têm zero de credibilidade. Basta ver a notícia que aparece uma semana depois: Compras por Multibanco cresceram 14,6% na semana do Natal. Os levantamentos nas caixas multibanco subiram 9,6 por cento. E embora não haja dados sobre compras online, custa a acreditar que o valor baixasse.
O capítulo dedicado a Portugal, do relatório sobre prosperidade mundial que mencionei no último post, é uma pérola que deveria ser lida por todos os portugueses. Nos poucos parágrafos que tem, há imensas frases como "o nível de certo dado X está muito acima da média mundial, mas os portugueses mostram-se convencidos do contrário". O texto seria altamente cómico (e será para um estrangeiro), se não fosse trágico.
Aqui ficam algumas citações, peço desculpa de não traduzir mas elas são tantas...
While Portugal ranks 22nd in the Index for its affordability of food and shelter, only 48%* of its population were satisfied with their standard of living: putting the country in 80th place, worldwide.
Portuguese believe economic conditions are getting worse, ranking 104th on economic expectations (...) However, foundations for future growth appear stronger.
(...) while a relatively low 2% of its banks’ loans are non-performing, barely more than half* of the Portuguese have confidence in their country’s financial institutions.
Portugal has a strong entrepreneurial climate, but few Portuguese believe that hard work will get them ahead in life.
Uneven economic development across different socio-economic groups is low, but this does not translate into public perception of social mobility: a low 54% of people surveyed believe that hard work will get them ahead in life, a score among the Index’s bottom 15 on this variable.
Portugal places in the upper third of the Index for the level of constraints on political actors, and the level of competition within, and regulation of, the executive branch. However, just four in 10* Portuguese report confidence in their government. Further, a one-fifth* of people are satisfied with the country’s policies to address poverty, and support for environmental preservation is below average, at 43%*. On these three variables, Portugal falls into the lower third of the Index.
According to public perception, corruption in Portugal occurs at relatively high levels*, but respect for the rule of law is high, as is the quality of regulation in the business sector; both variables scoring in the upper third of the Index.
Basic indicators of health in Portugal are very good. (...) Despite these largely positive signs, Portugal falls below the global average with the 80%* of its people who are satisfied with their health. According to a 2008 survey, a very high 49%* of people had felt worried a lot of the day before, among the bottom five on this variable, worldwide...
While civil liberties, such as freedom of expression, belief and association, in Portugal are some of the highest, globally, a relatively low 65%* of Portuguese felt that they have the ability to do what they want with their lives: 74th in the Index.
Repare-se como o lado positivo está invariavelmente do lado dos factos, e o negativo do lado das crenças!
Quando publico algo aqui no blogue, fico por vezes com a impressão de que forcei demasiado a parte boa da notícia. Impressão que dura apenas até eu ler a imprensa, que muitas vezes foi mais arrojada que eu, mas a destacar a parte negativa - com a diferença que este blog admite ser parcial, e a imprensa diz-se imparcial e factual.
A propósito do desemprego, o Diário Digital tem uma notícia onde o título destaca as regiões com pior desemprego. As boas, só aparecem no texto. O texto refere ainda a variação no desemprego... mas apenas nas regiões onde ele se agravou!
Se destacar apenas o pior é jornalismo objectivo, então este pasquim online, que destaca apenas o positivo, também o será.
Como uma leitora apontava e muito bem aqui, a análise de estatística dá sempre para vermos a realidade como bem nos apetecer. É raro não haver aspectos claramente negativos e claramente positivos ao mesmo tempo nos mesmos números. É exactamente isso que tinha em mente quando escolhi o subtítulo "Porque não estamos condenados a ver sempre o copo meio-vazio, aqui só se destaca o copo meio-cheio". Quando os media só gostam de ver os números pela negativa, eu tomei a liberdade de os ver pela positiva.
Veja-se a última posta sobre as prespectivas de desemprego. Eu escrevi OCDE Portugal com terceiro menor aumento do número de desempregados enquanto os media escreviam algo como Desemprego poderá atingir 650 mil portugueses em 2010 (RTP). Quando os valores absolutos são bons, procura-se comparar com os outros países para procurar algo negativo. Quando a comparação nos dá notícias positivas, então foca-se apenas nos dados absolutos, como neste caso específico. Eu apenas decidi fazer exactamente o contrário.
Mas com duas grandes diferenças:
1. Eu assumo que estou a ser imparcial. É o que diz o subtítulo. Os media nunca o fazem.
2. Há notícias em que é claríssimo em que os relatórios foram lidos e relidos, revirados, que se vasculhou as notas de rodapé. É frequente haver manchetes feitas com números que são tão secundários que nem vêm nos relatórios, vêm apenas nos seus anexos! Não estou a exagerar, há exemplos disto diariamente. Eu não perco mais de 5 minutos a olha para o amontoado de números.
Graças à equipa dos Blogs do Sapo, este blogue teve um enorme destaque nos últimos dias. Agradeço muito os comentários simpáticos que me dão vontade de continuar, mas são os menos simpáticos que me dão mais vontade ainda. São estes que mostram o quão estamos obcecados com o copo meio vazio, esquecendo-nos do meio cheio.
Foram vários os comentários aqui, e noutros locais, onde foram levantadas suspeições sobre os objectivos do blogue. Tenho que admitir que fui bastante ingénuo ao ignorar que um blogue optimista seria mal interpretado a poucas semanas de eleições. Como o mal já está feito, convido todos a voltarem aqui em Outubro. Terão uma bela surpresa.
O que me entristece é que quando é criado um blogue que destaca notícias positivas, são logo levantadas dúvidas sobre os seus intentos. Se eu tivesse criado um blogue com notícias más, não haveriam acusações de querer beneficiar qualquer partido. Lanço assim um repto: num qualquer blogue com críticas negativas, procurem se há insinuações sobre intenções políticas. Não o encontrarão. Em Portugal ver o copo meio vazio é considerado imparcial e objectivo. Ver o copo meio cheio é manipulação da verdade. Pensem se isso fará sentido.
Ironicamente, uma das postas mais comentadas refere-se a dados recolhidos em 2005 sobre segurança em Lisboa. Ora em 2005 a CML era controlada pelo PSD, e o ano começou com um governo controlado pelo PSD. Para blogue com supostas segundas intenções, não está nada mal.
Cheguei a ler comentários onde se punha em causa a veracidade das notícias que escrevi. Mais uma vez é algo que me espanta muito. Eu deixei em todas as postas os links para os relatórios que serviram de fonte. Isto praticamente não acontece em mais blogue ou jornal online algum, e quando acontece o que há é um link para outro blogue, nunca há link para a fonte primária da informação. Nunca se questiona a veracidade das más notícias sem fonte, mas as boas notícias mesmo com a fonte bem clara são duvidosas.
Farto do bota-abaixismo.
Farto dos maus agoiros, o derrotismo e os fatalismos.
Farto do discurso do coitadinho.
Farto do discurso político vigente da desgraça iminente, apenas interrompido durante os anitos em que se está no poder.
Farto da táctica política do "quanto pior, melhor"
Farto duma imprensa que vasculha entre relatórios gigantescos até encontrar uma nota de rodapé com uma má notícia, e que apresenta os dados no modo mais sensacionalista possível.
Farto duma opinião pública que considera que qualquer má notícia é 100% objectiva e qualquer boa notícia é uma manipulação do governo.
Farto do "dantes é que era", o "isto está cada vez pior" e o "só neste país".